Poesias

OS QUE NÃO SE CALAM

Alvíssaras a ti
se não te calares
depois das bofetadas,
que da raiz das palavras
há de revelar-se ás larvas
o tão carnal espirito-
ou as bocas que de nós se nutrem-
até asas provirem de nossos dorsos.
Eis quando, para dentro de ti
voamos, ombro no ombro,
levantados por minha asa esquerda
a bater no ritmo de tua asa direita.

Ei-lo, o desobediente, de alma à toa,
de alma alheiaà dor dos outros.
Ei-lo, o mouro do caminho
mortalmente ferido de servil maldade.
Matéria de êxtase e forja,
o que não se cala pelo coração,
pelo ar, pela palavra, pela paixão
é espada tirada da pedra
e transpassada nas gargantas do mundo.

O que se atreve e salta por não se calar,
o que não se apieda dos que vão nascer,
o que não enterra entre muros os que vão morrer.
Em ti, em mim, o sonho desobediente, o parido entre urros,
feito tigre e fome, feito olhos e mandíbulas,
e bote coagulado no ar, o molejo das patas
feito desejo contido que espera e espreita.
Enquanto isso, taras e dons brincam entre nossas mãos,
mãos que não se calam, mãos que desacorrentam os espíritos
de uma alma suspicaz que só quer falar de si mesma.

Minha vida é sempre aquel’outra,
e cada vez menos eu próprio fora de mim.
A outra, a que pula e cai sobre a presa.
A vida que se estira, recém-nata, e regurgita
o sangue de abortados porvires
e morre duma natureza que se rejubila
á mesa dos moribundos, e como o cadáver
ainda quente da felicidade de quem não se cala
e bebe o vinho da vingança, fé que salga o mundo.

Paulo Roberto do Carmo
18/11/2016

 

 

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